"O luto é um espaço ocupado por um vazio que gera dor, provocando uma inércia da mente e um descompasso dos sentimentos. Uma sensação de incompreensão que congela a alma." Luiza Gosuen
As manifestações dos sentimentos de luto diante da perda de um ente querido passaram por modificações no decorrer dos tempos. Questões culturais e religiosas exerceram e ainda exercem grandes influências nesse momento difícil. Na idade media era permitida a manifestação dos sentimentos. Já no século XX, a morte passou a ser sinônimo de fracasso, as pessoas negavam o sofrimento, como se o processo do luto fosse evitável. Nos tempos atuais, a morte se tornou algo tão banal diante de tanta violência que, encontrar alguém morto pelo caminho se torna quase que rotina e com isso a morte se torna um evento que chega até atrapalhar algumas pessoas, quando é preciso parar o trânsito devido a um acidente com vítima fatal ou quando se mata por qualquer motivo e até por motivo algum. Morrer está se tornando para muitos, um mero acontecimento, inclusive com tragédias dentro da própria casa. Já para outros, perder alguém ou estar frente a morte ainda é um momento de extrema dor e um pedaço de si que se perde e às vezes, não acha nunca mais. Tornando um vazio que doe pra sempre.
O luto nas palavras do poeta
Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
(Carlos Drummond de Andrade)
A morte abrupta de pessoas queridas pode provocar rupturas profundas e dependendo do estado de amadurecimento emocional do enlutado é capaz de deixar marcas que precisem de um acompanhamento profissional para que se faça um ajuste aos sentimentos e comportamentos, de maneira que possa superar os conflitos e continuar sua jornada.
A morte de uma pessoa da família geralmente provoca grande desorganização nesse núcleo , mesmo quando é algo que já se esteja esperando, seja por idade avançada ou por doença degenerativa ou incurável e, por isso a importância do luto como um processo de reorganização intelectual, emocional e até mesmo social de toda família. Diante da morte e do luto, algumas pessoas se sentem tão desorientadas, que nada é capaz de superar esse estado de profunda e dolorosa perda, com a sensação de que mais nada nem ninguém, poderão preencher o vazio que tanto angustia o enlutado.
Muitas vezes é importante ter o suporte de amigos que possam amparar nesse momento outras vezes, quando o impacto é muito grande a contribuição de profissionais irá ajudar a perceber a dimensão emocional que a perda trouxe para essa pessoa e, o ponto inicial a ser observado é o apego que a partir de então deve ser desfeito, com o processo do luto.
Pode também desenvolver quadros de doenças somáticas e algumas vezes até com doenças graves nessa época de luto, levando a configurar depressão profunda e outros transtornos.
Os enlutados na maioria dos casos, apresentam reações comuns nesse processo que é de tristeza, ansiedade, choro e lamento.
Nos casos onde a pessoa tem sentimento de culpa e autocensura, geralmente é porque considera que não foi justa ou que não cuidou o suficiente da pessoa que morreu.
Alguns casos, a pessoa pode desenvolver sentimentos de solidão, se afastando de todos, não se cuidando, se sentindo inútil, que nada mais tem sentido, deixando muitas vezes até de ter cuidados básicos com sua saúde e higiene pessoal.
Tem os casos onde a pessoa sente muita raiva pelo acontecido, não aceitando de forma alguma aquela perda, achando injusto o que aconteceu, podendo culpar outros pessoas e até a Deus que, poderia ter impedido essa morte. E tem ainda, os casos mórbidos de pessoas que não sentem nada diante a morte de alguém da família, menospreza o acontecimento e sente até alívio de não precisar mais pensar sobre o assunto.
A dificuldade no enfrentamento do luto diante de perdas na família pode provocar transtornos psicológicos e temos relatos de doenças físicas como distúrbios do sono e as irritações dermatológicas que se estabelecem devido a baixa imunidade do organismo por se tratar de pessoas, geralmente inseguras, dependentes de atenção e afeto e que desenvolvem doenças psicossomáticas devido a falha do sistema imunológico. Já pessoas mais independentes ou que são capazes de suprirem sua autonomia reagem com mais facilidade, pois estão em contato com outras pessoas na vida diária que fortalecem esse afeto e também por estar envolvidas com responsabilidades do trabalho que ajudam a consolidar esse sentimento e superar essa perda, não deixando pensar e sofrer o tempo todo.
Outros fatores psicológicos e sociais também que podem influenciar no luto são as condições de sobrevivência após a perda. No caso, por exemplo que a perda tenha sido do conjugue, e a pessoa vai ficar sozinha e sem amparo social e isso pode agravar o quadro emocional, não deixando de considerar também o fator idade do enlutado e as condições financeiras para se manter.
As dificuldades na elaboração da perda, vão além da morte física da pessoa. Dependendo do grau de proximidade e afetividade envolvida, uma parte da pessoa é perdida junto, como no caso da perda de um filho, dos pais ou de um grande amor. Podendo até com o tempo recuperar o estado emocional, pois a vida cobra atitudes e posturas de todos nós, porém o estado espiritual fica perdido para sempre, sendo que esse espaço fica eternamente ocupado no coração com lembranças e carinho.
O luto é vivido de maneira diferente para cada pessoa e cada manifestação tem sua particularidade e valor. Nem sempre a pessoa que mais chorou ou fez escândalo no enterro é a que mais está sentindo. Muitas vezes a pessoa que está contendo sua dor, está aquebrantada e muito sofrida , e até verdadeiramente com mais sentimento de perda. Em velórios, pode-se notar representações de toda ordem, mas cada um sabe o que o coração sente e isso deve ser considerado de maneira individual , consciente e sem fingimento.
Para Freud existe diferentes momentos do luto mediante a perda de pessoa significativa ou de um ente querido. Há pessoas que, no estado de luto, sofrem e passam por dor interior e tristeza profunda, porém se recuperam rapidamente e seguem a vida de maneira conformada, já outras por predisposição patológica, entram por um estado de melancolia que as impedem de seguir com seus planos de vida, porém é preciso que tenha um tempo com ela mesma para superar, à sua maneira, esse processo de dor sem interferência de nenhum tipo de tratamento. Essa melancolia é ocasionada por um desânimo penoso e profundo que causa desinteresse pelo mundo externo, incapacidade de amar, enfraquecimento do ego, inibição de toda e qualquer atividade e perturbação na autoestima. Este último, já não é presente quando no estado de luto.
*Ego- É nosso próprio "eu", nosso ponto de referência nos estados físicos, nossa consciência que pode amadurecer ou mudar com o passar do tempo. É nosso mediador nos processos da realidade entre o superego que cria nossos ideais e o id que são nossos instintos, desejos e impulsos.
No seu livro "Luto e melancolia" Freud cita:
"O luto, de modo geral, é a reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o país, a liberdade ou o ideal de alguém, e assim por diante. Em algumas pessoas, as mesmas influências produzem melancolia em vez de luto; por conseguinte, suspeitamos de que essas pessoas possuem uma disposição patológica. Também vale a pena notar que, embora o luto envolva graves afastamentos daquilo que constitui a atitude normal para com a vida, jamais nos ocorre considerá-lo como sendo uma condição patológica e submetê-lo a tratamento médico. Confiamos que seja superado após um lapso de tempo, e julgamos inútil ou mesmo prejudicial qualquer interferência em relação a ele.
No luto, verificamos que a inibição e a perda de interesse são plenamente explicadas pelo trabalho do luto no qual o ego é absorvido. Na melancolia, a perda desconhecida resultará num trabalho interno semelhante, e será, portanto, responsável pela inibição melancólica.
A diferença consiste em que a inibição do melancólico nos parece enigmática porque não podemos ver o que é que está absorvido tão completamente. O melancólico exibe ainda uma outra coisa que está ausente no luto - uma diminuição extraordinária de sua autoestima, um empobrecimento do seu ego em grande escala. No luto, é o mundo que se torna pobre e vazio; na melancolia é o próprio ego. Freud descreve o luto como um trabalho que o ego tem para se adaptar a perda do objeto amado. Quanto maior o investimento afetivo com a pessoa que faleceu, maior a energia necessária para o desligamento e maior a dificuldade para o individuo se adaptar à perda.
Embora saibamos que depois de uma perda dessas o estado agudo de luto abrandará, sabemos também que continuaremos inconsoláveis e não encontraremos nunca um substituto. Não importa o que venha a preencher a lacuna e, mesmo que esta seja totalmente preenchida, ainda assim alguma coisa permanecerá. E, na verdade, assim deve ser. É a única maneira de perpetuar aquele amor que não desejamos abandonar.
Mesmo que pessoas próximas queiram suprir a falta daquele que se foi, nunca conseguirá substituí-lo, pois agora existe um vazio na vida do enlutado que não será preenchido totalmente, pois aquele vazio amargo sempre permanecerá, e aquele que se ama, não voltará mais. A questão que então se coloca para o ego é aprender a assimilar a falta"
Distúrbios psiquiátricos e doenças mentais como depressão, ansiedade, cansaço, mal estar e também dores físicas, algumas vezes surgem depois da perda de um ente querido e para ter um acompanhamento profissional é preciso entender o impacto dessa perda para reduzir essa patologia.
As fases do luto:
1- Negação- A primeira e a mais dolorida fase é essa, quando não conseguimos aceitar nem entender essa perda. Um momento onde nos parece irreal, incompreensível . A pessoa tenta fugir de todos para não falar sobre o assunto, prefere ficar sozinha ou passar horas no túmulo do ente querido.
2- Raiva- É quando surge os primeiros questionamentos de tentar entender porque tudo aconteceu, então surge momentos de raiva, não aceitação e nenhum consolo vindo de pessoas amigas parece adiantar. A pessoa se sente injustiçada e nada traz conforto.
3- Negociação- É achar que Deus pode ajudar a reverter o fato e que você pode fazer alguma coisa pra compensar com um sacrifício sub-humano em alguma atividade ou uma promessa com automutilação para conseguir essa benção.
4- Depressão- Nesse momento já está consolidado que o fato ocorreu, já se tem consciência do fato, e um vazio se instala dando espaço para uma depressão imensa. É aqui que a pessoa entende que não verá seu ente querido nunca mais e se volta para seu mundo interno.
5-Aceitação- Essa é a última fase, onde a pessoa já é capaz de aceitar o fato. Já se pensa na possibilidade de preencher o vazio que ficou, de seguir com a vida mesmo sabendo que nunca irá esquecer a pessoa querida, mas as lembranças agora são apenas saudade e irão ser lembradas com carinho.
Não necessariamente o enlutado passa por essa sequência de estágios, por essa ordem e nem sempre passa por todas essas fases, isso vai depender de cada pessoa, porém o mais comum é passar pelo menos por duas ou três dessas fases nesse processo de luto.
Vídeo- Saudade..mãe!